Resenha do Conto A Enxada de Bernardo Elis.
Vicente Celestino da Silva.
A Enxada ( Global, Bernardo Elis) é um conto que narra a história de Supriano, mais conhecido como Piano. Ele era pobre, humilde, negro, honesto e muito trabalhador. Devido a uma pendência trabalhista adquirida com o Delegado, pois Piano não conseguiu terminar a empreitada do "quintal de café", ficando assim devedor de "um conto de réis" para o tal delegado. Por conta desta dívida Piano foi obrigado a trabalhar para o Capitão Elpídio Chaveiro, que era amigo do Delegado. Sobre as ordens do novo Senhor, Piano teria que plantar uma roça de arroz até o dia de Santa Luzia. Cultivar as duas sacas de arroz não era problema para Supriano, se ele tivesse uma enxada. Por vários dias Piano tentou arranjar emprestada a tal da ferramenta porém, não conseguira. Chegou mesmo a pensar em roubar uma, todavia se lembrou do "dos Anjo, que estava pubando na cadeia por causa de um cubu de enxada que diziam ter furtado". Ademais o caráter de Piano não lhe permitia esse tipo de ação, que logo foi abandonada. Sem tempo e sem a maldita enxada, Piano resolveu na véspera de Santa Luzia, tomado por um delírio fustigante, em plena escuridão, plantar a roça fazendo das mãos a tão desejada enxada. " O camarada tocava os cotos sangrento de mão na terra, fazia um buraco com um pedaço de pau, depunha dentro algumas sementes de arroz, tampava logo com os pés e principiava nova cova". No alvorecer de Santa Luzia dois soldados, a mando do Capitão Elpídio, se aproximam de Piano que já estava quase no fim da empreitada...Quando um tiro de fuzil ecoou mata a dentro, sacudindo o frio da manhã e espantando os periquitos que roíam o olho dos buritis, acabando assim com o sofrimento de Piano.
O texto de Bernardo Elis, escrito na década de 60 retrata muito bem as relações de trabalho entre empregador e empregado, digo entre "Senhor e escravo", já que Piano foi entregue a Elpídio como pagamento de uma dívida. A hierarquia era muito clara: de um lado, amparado pela lei, estava o Capitão Elpídio, o patrão; do outro, abandonado por ela, estava Piano, o escravo, que lutou com todas as forças para manter-se submisso, contrariando assim a Lei Áurea que pregava que após 1888 não deveria mais existir o trabalhador escravo. A relação entre o texto e o contexto em que foi escrito parece retratar um regresso do personagem Piano a um passado arcaico e hostil no qual o trabalhador além de não ser dono dos meios de produção, também não possui acesso as mais simples ferramentas de cultivo da terra. Esse texto mantém uma relação direta com a realidade social e econômica com a época em que foi escrito, pois nesse período o país passava pelo conturbado movimento do campesinato, que militava a favor da reforma agrária e em detrimento dos latifundiários. A figura de Piano nos remete as mazelas a que o trabalhador braçal do campo se submetia, por outro lado nos faz pensar também no caráter e na identidade desse povo tão sofrido. "Nunca matei, num roubei, num buli com muié dos outros, gente". "O que eu quero é uma enxada para mode lavorar...". "Sou honrado, Capitão". "O que devo eu pago...." Cheio de regionalismo, o texto retrata bem o falar caipira da classe menos favorecida, "sufragante", "percisano", "muié", "ranjou"etc. assim como enfoca as características socioculturais representadas de um lado por Piano, sua esposa defeituosa das pernas e pelo filho bobo que mal andava, de outro a elite representada pela figura do Delegado e Capitão Elpídio, filho de um senador. Nesse texto fica claro os processos sociais existentes entre dominadores e dominados, entre Capitão Elpídio e Piano. A narrativa de Bernardo Élis mostra que nem sempre o indivíduo de mais conhecimento ou cultura letrada possui discernimento para agir com hombridade e honradez, e que, às vezes, um humilde servo se mostra possuidor de um caráter que o dinheiro ou status social não podem criar.
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